Não se deixe enganar


Não se deixe enganar não é nenhum guia de sobrevivência no mundo moderno pois esta frase foi colocada na capa do livro humoristicamente, e quem o ler irá perceber a dica. Este livro escrito por elementos da Comunidade Céptica Portuguesa, a COMCEPT, e quem sabe um de muitos, faz um resumo dos tempos no que se trata da pseudociência vs. ciência.

Houve claramente cuidado por parte dos autores em serem imparciais e julgo que isso foi bem conseguido, afinal tratando-se de pessoas ligadas à ciência não seria de esperar outra postura que não essa. No entanto, é provável que a percentagem de imparcialidade vá ser avaliada e variar consoante os diferentes leitores.

"Este livro não contém glúten" é um dos pormenores de humor na capa. Embora toda a gente saiba que um livro não tem glutén, na dúvida, ao estar assinalado é mais seguro e credível 😆. Ao longo do livro há igualmente humor numa leitura pertinente mas ligeira, e com assuntos contorversos como por exemplo a vacinação ou não das crianças.

Engane-se aquele que pensar que é um livro para deitar a baixo as "medicinas alternativas" pois aqui arranjou-se espaço para abordar a má ciência, e os seus podres. É de louvar, e foi uma boa forma de dar a conhecer um pouco do meio científico nos tempos que correm. A importância da publicação de estudos com resultados inconclusivos; o crescente volume de publicações de artigos em contraste com a diminuição da qualidade dos mesmos; os plágios; ou a manipulação de dados mostram que em todas as áreas existe o dark side da força (o lado mau). Mas nunca nos esqueçamos do lado bom e do papel fundamental, e de evolução, que a ciência desempenha e irá continuar a proporcionar na história da humanidade. Aliás, sem ela não haveria a pseudociência 😄.

Engane-se aquele que achar que já sabe tudo e não precisa deste tipo de livros. Não queira ter uma mente pequena e usar um chapéu grande 😉.

Mas o que é afinal a pseudociência? Posso transcrever aqui uma das possíveis definições e espero não estar a infrigir direitos de autor, tenham pena de uma simples blogger a fazer "publicidade" ao vosso livro.
"... algo que assume o aspecto superficial da ciência mas que não tenta sequer seguir os seus princípios fundamentais." (p. 185)

E na pseudociência, existe o dark side? Encontram-se resultados concretos na pseudociência? Verificam-se mas são ocultados? Não existem de todo? Será tudo inofensivo no que aparenta ser o país das maravilhas em que se encontra solução para tudo, ou quase tudo? Ou não será a dúvida o produto? (p. 174)

Vou asinalar dois pontos que questionei no decorrer da leitura:

  • A intolerância ao glúten foi, a meu ver, o tema menos desenvolvido quando é atualmente um assunto da moda. Provavelmente dada a complexidade em medir as reações que ocorrem nas pessoas que sofrem de uma sensibilidade ao mesmo (celíacos à parte e já excluindo o factor psicológico). Contudo, não invalida as queixas apresentadas e uma nova realidade entre parte da população. "A ausência de provas não é prova de ausência" (p. 211) e a ciência tem aqui uma oportunidade para vir a desenvolver uma forma de medir esta sensibilidade, e esclarecer esta reação ao glutén da melhor forma: a científica.
  • No que toca à acupunctura os estudos levados a cabo para evidenciar a eficácia dos tratamentos não demonstraram resultados. Então se não se verificaram resultados palpáveis como se explica a ocorrência de efeitos adversos?

Agora vou divagar um pouco, o que é inevitável após esta leitura, e abusando da minha experiência pessoal. A minha formação foi sempre na área das ciências, passou brevemente pela antropologia e terminou na área de técnicos de diagnóstico e terapêutica. Porém sempre houve um lado místico na forma de iceberg e a zona oculta tornou-se visível já muito depois deste percurso acadêmico. Experimentei algumas coisas alternativas, zen e do oculto. Felizmente não necessitei experiementar muito para tirar as conclusões necessárias e ir fazendo uma triagem.

[Abro aqui um parêntesis para uma curiosidade relativamente ao oculto. Em antropologia estudámos trabalhos que revelavam que em Portugal a percentagem de pessoas que recorriam "à bruxa" era elevado, fosse qual fosse o estatuto social. Já repararam que quando se fala deste assunto alguém apressadamente diz logo "Ai, eu não acredito nessas coisas!" ou "Eu nunca fui!". É uma negação, quase toda a gente já recorreu a "estes serviços" ou conhece alguém no seu círculo próximo que o fez. Bem, foi só um à parte.]

Neste momento há "coisas" que uso e gosto de explorar e/ou aprender, a que chamo ferramentas, e que não são propriamente explicáveis pela ciência mas que se sentem e com as quais me sinto bem e gosto de lidar. E sei que acontece o mesmo com muitas pessoas quer tenham um passado ligado às ciências ou não. Podem dizer que é para preencher um vazio interno; podem dizer que é a vontade de acreditar em algo superior (tendência do ser humano para dar significado à sua estadia na Terra); ou que foram influências; ou coisas impingidas; ou New Age; pouco importa... Importa sim estarmos com os "pés bem assentes na terra" e procurar um bem estar mental, emocional e físico, ou é preciso ir buscar a definição de saúde da OMS?

A meu ver são aceitáveis (podem não ser validadas) as pseudociências e crenças e/ou religiões se servirem para o bem estar de um indivíduo, desde que não o prejudiquem e aos demais. Lamentávelmente não é essa a realidade que se constata ao longo da história em que a religião ainda continua a estar na origem de massacres. E agora, nos tempos modernos, falsas promessas de cura com imagens de marca tornam-se um massacre à carteira.

Verifica-se outra realidade, há claramente um cansaço com a medicina convencional que não responde a todas as queixas, e expectativas, de um paciente. Que sabe mas não trata o indivíduo como um sistema com susceptibilidade individual, quando se fala tanto disso nas aulas dos cursos de saúde. Fala-se tanto na anamnese como algo muito importante no ínicio de uma consulta e exames, e no final de contas quantas vezes o profissional do outro lado da secretária mal olha na nossa cara. Fala-se tanto na abordagem multidisciplinar mas, na prática, o sistema de saúde falha nesse ponto devido a restrições de ordem orçamental que controlam a prática de uma medicina de excelência, como se assiste em Anatomia de Grey.

Voltando às desilusões que a medicina convencional e/ou sistema de saúde apresentam é aceitável procurar segundas opiniões, faz parte da curiosidade inata, do inconformismo e do desespero. Daí a procura de outras soluções de "cura" e bem estar usando o nosso livre arbítrio, ou não. Sou a favor do bem estar do indivíduo, quer esse bem resulte da medicina convencional, quer das terapias alternativas já reguladas ou não, quer da união das várias abordagens. Sou a favor de uma abordagem multidisciplinar em que o convencional e o alternativo possam andar de mãos dadas, o que interessa é o benefício do paciente e não uma guerra dos tronos. Será uma utopia vir a ter uma cooperação definitiva entre a medicina e outras formas de tratamento alternativas, mesmo quando o alternativo não consegue ser validado pela ciência?

Profissionais de saúde como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas entre outros, começam cada vez mais a formarem-se em acupunctura, osteopatia, medicina tradicional chinesa, etc.. Procuram eles mais uma forma de rendimento? Procuram complementar a sua prática para tornar a abordagem mais holística em benefício do próximo? Ou encontram-se movidos pela curiosidade e a necessidade de preenchimento de lacunas?

Como tudo na vida existem maus profissionais em todas as áreas; charlatões; pessoas com pouca formação em busca de um caminho fácil; soluções ridículas a milagrosas; e empresas sedentas por venderem "banha da cobra" apostando em altas campanhas de marketing baseadas na pseudociência.

Para terminar estes assuntos, onde fica sempre muito por explorar, lembram-se da seguinte frase?
"Não negue à partida uma ciência que desconhece." (Maya)
Sem querer associar este livro à frase anterior parece que se complementam um, o livro, em chamar a atencão para estarmos atentos, sermos cépticos e prudentes nos dias de hoje - é imperativo. Não obstante, ser céptico não implica uma negação à priori e é aqui que se encaixa a frase viral.

Considero, apesar de tudo o que é mau e falso, um privelégio da nossa era haver mais informação, avanço na medicina, alternativas, e poder de escolha.

E sabem, pois é real, quando alguém está às portas da morte até o ateu reza a Deus para salvar o seu ente querido. Ou, até o cientista aceita que para além da radioterapia a sua esposa possa receber tratamentos de Reiki para aliviar os efeitos secundários da radiação.

Boas leituras.

Comentários