A moda da produtividade instantânea

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"Para ontem", a frase mais ouvida no mundo do trabalho para referir tudo aquilo que já devia estar feito/concluído e na realidade ainda não está.

E se te dissesse que já não é tudo para ontem mas sim tudo para amanhã? Um script que já pode estar a correr em modo de fundo no teu computador, ou melhor no teu inconsciente ou quem sabe já é consciente? 

Productivity porn, expressão que li numa publicação do escritor Jeff Goins, ou seja uma pornografia de produtividade com que somos atualmente bombardeados, e relativa a conteúdos rastilho que mostram urgência imperativa em produzir, alcançar tudo e mais alguma coisa. Isto é o esperado de nós, e ai de nós que não a tenhamos, uma produtividade de 200 por cento ou quem sabe mais. Esta é a nova tendência, mais uma moda, que vende, e que vem dar uma coça à procrastinação - a velha e maldita maleita.

[Por vezes gosto de encarar a procrastinação como um dispositivo que nos pode indicar se não estaremos a adiar algo que não queremos ou devemos fazer. Qual a origem e motivo desse estado de adiamento? Preguiça inata ou algo mais que vale a pena considerar?]

Bem, mas se os procrastinadores são a moléstica que pode comprometer a colheita, os frutos (da colheita) imunes à moléstia são então os verdadeiros modelos de sucesso em que nada os atinge. São frutos modelo que até podem mostrar algum do seu processo de amadurecimento, cultivo, e até algumas falhas, contudo só no final de terem atingido sucesso e um estatuto que os torna agora entendidos na matéria. Existe, portanto, uma porn de conteúdos focada nos resultados fantásticos obtidos, como isco para uma pesca ao reconhecimento que qualquer pessoa almeja e quer replicar.

Falar dos tombos ou do cabo das tormentas que se atravessou fica para poucos e selecionando bem o conteúdo a partilhar. Mas há quem entenda a importância dos processos ao longo do caminho, da experiência e da viagem do caminhante usando isso para gerar empatia e seguidores, seja estratégia de marketing ou porque faz parte dos valores que se querem criar para uma marca ou autor. Ora para os caminhantes que vão num passo acelerado ou preferem sprints a meta é o único objetivo, que seja! Portanto se as tuas metas não envolverem sprints cuidado! Tornaste-te um procrastinador só porque demoraste mais tempo a fazer o teu trajeto pois preferiste fazer uma caminhada. 

Ainda que pareça que todos estão a fazer coisas novas, todos estão a criar, todos estão a partilhar, todos estão a ensinar, todos estão a aprender, deixa-me dizer-te que nunca são todos. E permite-me igualmente dizer-te que a avaliação de uma quantidade não deve ser a força motriz na tua vida, e muito menos usar a medição e a comparação com os outros para orientares o mapa da tua vida. E até podes consumir todos os conteúdos e não chegar a lado nenhum, ao objetivo, porque não tiraste o tempo necessário para fazer a caminhada, e usar os sapatos novos que disseram que te faziam chegar mais rápido ao teu (ou a um) destino/meta.

E onde encontramos esta pornografia de conteúdos? Nas redes sociais, dado que são uma parte da vida da maioria das pessoas e consequentemente um veículo de publicidade eficaz.
 
Retira o melhor dos conteúdos das redes sociais e deixa-te inspirar, ou sê tu mesmo uma fonte inspiração para os outros pelo conteúdo e valor que partilhas. No entanto vale a pena reconheceres que tens a tua individualidade para explorar, e com ela a criatividade necessária para explorar o mapa da tua viagem e que está cheio de possibilidades desconhecidas. Podes explorar-te, abraçar ajudas pelo meio ou ser altamente produtivo e viver um modelo que vai servir a tantos outros, logo pouco personalizado. Inspiração é o que é, não tem que te definir e muitas vezes castrar potencial latente.

Esta é uma reflexão que te trago, não é uma receita, não é uma solução, apenas observações. Não queiras entrar numa corrida contra o tempo, usa-o a teu tempo e a teu favor. Usa a inspiração como empurrão para uma ação que adicione algo à tua vida, e não como distração que te tira tempo precioso.

Lembra-te que o que nos serve de inspiração, e que captamos à nossa volta, pode ou não materializar-se, poder ser visível ou não, pode ser publicitado ou não. O não ser apresentado publicamente não significa que uma pessoa estagnou (deixando de existir para o mundo), ou não trabalha e produz. [Até porque se trabalha muito em casa, e fora de casa, e isto é uma produtividade desvalorizada e sem interesse nas redes sociais, na verdade, a menos que consigas converter isso em digital influencer - influenciador digital.]

Aprende, evolui mas não passes por cima do teu ritmo natural e se ensinares e/ou partilhares não caias na tentação de considerar que há equações para como ser e viver, sendo que cada um de nós é uma variável e não uma constante. Ah, e se ficaste presa(o) a uma moda, sem stress, sendo moda está apenas de passagem.

(...) doing something so small and gradual that it almost looks like you are doing nothing (...) You can do extraordinary things when you are patiently persistent

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