Encontrei na fotografia a minha forma de desenhar



O tempo passa, as prioridades mudam... Nunca pensei dizer isto ainda que seja uma ordem natural das coisas entre humanos.

Revejo os anos em que fui encaminhada para o prazer de fotografar e das máquinas fotográficas digitais em punho que usei, e abusei na minha inocência de principiante, explorando os pormenores à minha volta e captando-os numa perspectiva muito minha.

Esta forma de olhar as coisas só muito recentemente a consigo descrever, e encontra-se distante por exemplo do tipo de fotografia mais conhecida, a de casamentos e afins, explicando assim a minha falta de interesse por este tipo de evento e desafio fotográfico. 

Ao desfolhar aqui uns livros de viagens com ilustrações bem coloridas lembrei-me da minha falta de jeito para desenhar. Uma incapacidade detetada nos tempos do ciclo nas várias tentativas falhadas em desenhar uma planta num vaso. Aqui senti, pela primeira vez, no meu currículo escolar a mancha de uma negativa. Mais tarde, com a ajuda da professora, consegui desenhar uma laranja... A natureza viva da planta e os seus contornos ondulados tornavam-se demasiado para mim de materializar através do lápis para o papel.

Certo dia, ao conduzir por uma estrada só para mim no meio da serra, tive um insight quando os meus olhos pairaram sobre uma obra de arte feita de líquenes. Estes criavam majestosamente um manto nas árvores dispostas em clareira que ia atravessando em espanto. Neste momento de encontro pleno com o que via, constatei finalmente que o infortúnio de não conseguir desenhar à vista tinha sido substituído pela possibilidade de congelar pormenores, através de uma lente, numa moldura chamada Fotografia.

Incapaz de desenhar o que há por aí só me resta fotografar enquadrando os pormenores que mais me captam a atenção. Encaro como uma forma de desenhar, e pintar por assim dizer, criando telas digitais dos pormenores do mundo em que habito. 

Comigo tudo começa com as partes antes do todo. Fotografar pessoas num ambiente onde não consigo controlar o enquadramento, é como obrigarem-me a pintar com cores que naquele momento não quero usar, ou como no passado obrigarem-me a desenhar uma planta por várias vezes.

Mais do que captar o momento para o imortalizar, por que a isto só damos valor mais tarde, o meu processo de 'pintura' passa por criar uma foto como se de uma tela se tratasse para expressar a minha forma de ver aquele algo. E todos nós vemos as coisas de forma diferente, e todos nós criamos coisas diferentes partindo da mesma coisa.

Posto estas constatações, e memórias, só me resta encarar a minha compilação digital de fotografias como sendo os desenhos que não iria ser capaz de concretizar. Tais são fruto de uma descoberta, entre muitas, que seguia de mão dada com um despertar interno tardio. Mas o papel da Fotografia não ficou só por aqui tendo vindo a prestar de muleta terapêutica a dada altura da minha jornada. Hoje ainda desenho, mal ou bem são os meus desenhos com as ferramentas que posso e quero utilizar.

Sendo que as prioridades mudaram, as externas e as internas, a forma de ter a Fotografia na minha vida seguiu pois essa mudança. Troquei o peso da câmara pela leveza e praticidade de usar um smartphone. Na maioria das vezes claramente não compensa a parafernália associada, isto numa altura de vida em que com o correr dos anos a ideia é tirar pesos da mochila, colocando apenas o útil e leve para a minha caminhada.

Não pensava deixar este blog, e o outro, em águas tão paradas mas tudo bem, o que importa é ir fazendo o que se pode e nos completa. De modo que por muito prazer que tivesse, e ainda tenho, em escrever aqui, um lugar parado no tempo como todos os outro blogs, confesso que me entreguei ao Instagram pelo seu caráter mais instantâneo.

O fotografar continua, a publicação de fotos continua, agora feito de forma mais rápida, e descontraída sem perder grande qualidade naquilo que se partilha. O Instagram tem sido a minha casa onde alio o gosto pelos livros, a fotografia, a escrita e criatividade, e mais recentemente o gosto em criar videos adicionando banda sonora. 

Ainda que seja tudo, como acabei de escrever, instantâneo e efémero não adianta lutar contra a evolução tecnológica e digital, é uma luta que se perde, e a troco de quê? Perfecionismo e orgulho?! Esta partilha mais rápida e com menos perfecionismo tem-me permitido chegar a mais pessoas com o que gosto de fazer, e no final deixar-me com mais tempo para a leitura. Aqui ou lá sabemos que não é esperada nenhuma medalha de ouro para nos gratificar. A gratificação é interna por me dar ao luxo, ou melhor criar esse luxo, de poder fazer coisas que me dão prazer mesmo que a forma de o fazer se tenha alterado em consequência dos tempos que correm.

Portanto, para mim tudo se resume à importância de manter uma expressão do que sou e sua partilha, seja de que forma for. Tendo em mente de que é mais importante o que somos e a postura que temos, do que o que queremos ser e da diferença que achamos que vamos trazer para os outros. Reforço a adaptação aos tempos, ao nosso tempo cronológico e ao mundo em sintonia com o nosso estado interior e o que ele nos pede.

Já tinha saudades de escrever aqui, sei que o faço de uma posição menos perfecionista mas com mais sabedoria, e isso preenche-me imensamente tal como este dia de verão em calendário outonal.

Nada é para sempre mas ainda me agrada o caráter mais imortal da escrita que deixo aqui. Se desse lado me estiveres a ler agradeço teres passado por aqui e termino deixando-te uma sugestão musical, que me acompanhou no terminar deste texto.

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